sábado, 31 de outubro de 2009

Pedaços de sonhos


Quando nasci foi para a dança. Todo o meu corpo procurava o movimento, o ritmo balanceado do viver diário. Ansiava por ser a bailarina. Esvoaçava no meu sonho que não passava daí. Não fui bailarina cor-de-rosa de pontas, mas fui bailarina de roupas largas e por vezes de barriga descoberta. Encontrara o movimento que me acolhia, encontrava a paixão no movimento contemporâneo que ligava o sonho à realidade. No auge do que amava fazer, no perfeito momento em que tudo se enunciava grande e esplendoroso, o joelho cedeu, o terror chegou. A depressão encheu o meu ser dançante, forma-me arrancado os pés. Até andar era dor, a dor da alma de quem perdeu para sempre o sonho.
Um dia, apareceram-me as palavras. Pequenas e saltitantes, gigantes e enfadonhas. Com facilidade e graciosidade parecia ser capaz de as amontoar. Disseram-me que era era capaz de criar belos e grandiosos montes. Montes sóbrios, rigorosos e claros com as palavras suaves e com as rudes, que tanto me começavam a fascinar. A elas me agarrei. A dor da perda do constante ritmo e leveza dos pés começou a ser substituída pelo entender e pelo brincar com as palavras que subitamente me pareciam novas e com tanto por me contas nas entrelinhas fascinantes que poucos conseguem alcançar.
O sonho não desaparece. Mas a realidade agora me conforta, a realidade de poder dançar por entre as palavras que trazem o ritmo balanceante ao movimento que é a vida.




(para ti, M, para que entendas a importância de uma conversa sobre o que te é importante, de uma leitura cuidada e de um comentário que normalmente guardas para ti)

1 comentário:

  1. O tempo que eu demorei a compreender quem eras tu afinal, anitsirc...

    Custou mas foi, como se costuma dizer, e agora que fiz a correspondência entre o pseudónimo e a cara, tudo se facilita e conjuga.

    Gostei particularmente deste texto, pela música que embala a dança das palavras bem amontoadas (é bem verdade o que te disseram) (:

    Um beijinho grande (e mais viagens pós-Água de Madeiros se esperam)*

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