sábado, 31 de outubro de 2009

Pedaços de sonhos


Quando nasci foi para a dança. Todo o meu corpo procurava o movimento, o ritmo balanceado do viver diário. Ansiava por ser a bailarina. Esvoaçava no meu sonho que não passava daí. Não fui bailarina cor-de-rosa de pontas, mas fui bailarina de roupas largas e por vezes de barriga descoberta. Encontrara o movimento que me acolhia, encontrava a paixão no movimento contemporâneo que ligava o sonho à realidade. No auge do que amava fazer, no perfeito momento em que tudo se enunciava grande e esplendoroso, o joelho cedeu, o terror chegou. A depressão encheu o meu ser dançante, forma-me arrancado os pés. Até andar era dor, a dor da alma de quem perdeu para sempre o sonho.
Um dia, apareceram-me as palavras. Pequenas e saltitantes, gigantes e enfadonhas. Com facilidade e graciosidade parecia ser capaz de as amontoar. Disseram-me que era era capaz de criar belos e grandiosos montes. Montes sóbrios, rigorosos e claros com as palavras suaves e com as rudes, que tanto me começavam a fascinar. A elas me agarrei. A dor da perda do constante ritmo e leveza dos pés começou a ser substituída pelo entender e pelo brincar com as palavras que subitamente me pareciam novas e com tanto por me contas nas entrelinhas fascinantes que poucos conseguem alcançar.
O sonho não desaparece. Mas a realidade agora me conforta, a realidade de poder dançar por entre as palavras que trazem o ritmo balanceante ao movimento que é a vida.




(para ti, M, para que entendas a importância de uma conversa sobre o que te é importante, de uma leitura cuidada e de um comentário que normalmente guardas para ti)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Palavra inspiração

Vazia e triste quando a ideia não urge,

quando a palavra não surge,

quando o monte não cresce.

E quando a palavra não surge

o coração se assusta

a cabeça se encolhe

a mão se adormece.

Quando a ideia não urge,

a mente se preocupa,

se multiplicam as dores

se preocupam os arredores.

O alívio vem daqui e dali,

a inspiração de onde mais se estranha.

Num apelo à musa,

numa censura que abusa

clamas por um pedaço que te venha,

um pedaço que ta traga,

um pedaço que a surja:

A palavra inspiração.

Que venha ela, ela doce e forte,

Ela dedicada e feliz,

Ela deliciosa e imperatriz!

Imperatriz que conquistou o ser fechado,

que não vá ela agora,

que não mude meu fado.

E que belo som o fado que ela me pode trazer,

e à gente da minha terra que não a quis entender.

E se não nasceu com todos,

a menina palavra, que se torna senhora ao ouvi-la cantada,

certamente a todos chega

ou talvez não queiram dela nada.

Montes e montas já ela criou,

e quem dela necessita jamais abandonou.

Palavra mãe e rainha que a mim apareceu

tantas filhas deste tu.

Crias o meu céu.

O meu céu que me delicia, com toda a minha vaidade,

com toda a minha vontade de as juntar até já não ter idade.

Palavra mãe e rainha,

bênção que me apareceu,

Não partas agora

Não me leves o céu!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

pedaços esquizofrénicos de tempo

O tempo vai
O tempo não vem.
Mas que tempo é este que de tempo a tempo vem?
8 horas são
É tempo para acordar,
ou noite é ainda criança.
Noite criança que tanto falta para findar.
Criança é a noite que não quero acabar.
Tic, é dia.
Rápida se põe a noite.
Tac, é noite
Não voltará a ser outro dia.
Segundos passam lentamente
Num tic que se ouve
Não se faz demorar um tac.
Tempo que passa
rápido
lento
frio
quente
áspero
suave
grande
pequeno.
É a esquizofrenia do tempo
na noite que é criança.
Não partas, tempo.


(14 de Outubro de 2009)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Álvaro de Campos

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos


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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

pedaços de aula

Sou alma de escritor
Sou sonho da dança
Anseio por crescer
e por voltar à infância.

Espero que a bola saltitante venha
e que me desenrole daqui,
Daqui para longe
de volta para onde fui feliz.

Mas quero chegar ao que vem a seguir,
Quero a janela verde aberta,
o rodopio da bailarina
a dor das pontas
o erguer do corpo
o salto da vida.

E as palavras de espalham,
em monte se amontoam,
saem livres e rápidas,
saem revoltas e duras.
Saem como se não houvesse amanhã
como se só elas ao monte confortassem.

Sinto a vida
Sinto o cansaço,
A dor de querer ser
a dor do querer voltar
a esperança de ser feliz ao ficar.

Sou alma de escritor
Sou sonho da dança.
Anseio por crescer
e por voltar à infância.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

cansaço despedaçado

No esforço de manter os olhos abertos, as costas direitas, a postura erguida; tudo parece grande, enorme, gigante. Tudo parece balançar, rodopiar, mesmo cair. E vai caindo, vai caindo a energia, a vontade, a paciencia, a motivação. Vai caindo a glória e até a paixão.
No esforço de manter os olhos abertos procuro tudo o que não me faça fechar, tudo o que não me deixe vergar, diminuir, cair.

A mudança vem quando menos se espera, a mudança vem de onde menos a queremos aceitar.
Fecho os olhos, descanso.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Pedaços de pensar

Estranha é a razão.
Simples podia ser o pensar.
Mas mente quem diz que a mente é fácil de alcançar.

Sabes tu que és?
Ou melhor, quantos és?
És a mãe e o pai,
o que a sociedade exige de ti,
és o que os amigos querem,
e o que esperas de ti.
Mas quem és tu?

Quem és tu que deambulas por entre essas parede,
tu que te vez ao espelho,
tu que te ris!
Mas quem és tu, ser deambulante,
ser que diz ser tudo aquilo que te faz feliz?

Talvez incompreendida seja a felicidade,
ou talvez eu não a alcance de onde me encontro.
Talvez precise Da bengala humana que me leve a subir,
que me reencontre.

Simples podia ser o pensar,
mas complexa é a mente,
e mente quem diz que a mente é fácil de alcançar.